Dia 11, Domingo, continuação
À porta da casa do avô, estava eu, sentado nas pequenas escadas, em baixo da porta, à espera que ele finalmente regressasse para depois nunca mais voltar. Enquanto esperava, não pude deixar de observar pequenos montes de terra escavados em áreas separadas, espalhadas pela porção de quintal visível frontalmente. Não pareciam ser escavações de toupeiras ou ninhos de formigas... na verdade, nem pareciam ser montes arquitetados naturalmente. Tanto novela que eu fiz na minha cabeça para me aperceber que eram apenas escavações feitas por pás. Eu podia entender isso, mas porque é que todos aqueles montinhos estavam tão espalhados pelo terreno? Será que é alguma planta que necessita de muito espaço para crescer? Ainda que estivesse junta a uma cerca e a uma laranjeira?
Antes que pudesse pensar em mais alguma coisa, ouvi dois sons agudos, seguidos, mas separados por um intervalo de tempo irrisório. Olhei para a frente, alarmado e vi que era o meu avô, dentro do seu carro, acabado de vir da missa. Estacionou o carro, precisamente, numa área onde estavam espalhados alguns montes de terra. O seu carro era um Fusca antigo, dotado de uma armadura bastante extensa, sendo que o veículo em si também não era realmente pequeno, ainda por cima estacionado de uma maneira provável e intencionalmente irregular. Talvez quisesse esconder alguma coisa e é pena que não durou o suficiente para ocultar as restantes, caso existam.
Aparentemente, não se esqueceu do compromisso e até perguntou pelos planos programados ainda antes de eu lhe poder ter comunicado alguma coisa. Então, sem mais rodeios, continuámos em direção à minha casa. Por momentos, pensei que tudo estava a correr bem demais para ser realidade, mas, de acordo com esta, foi mesmo assim que ocorreu. Assim que entrámos em casa, ele começou a rir, alto, às gargalhadas, trocando posteriormente para gritos de dor. Eu não sabia o que estava a acontecer, mas precisei de o calar, senão, reunir-se-ia uma multidão em redor da casa e eu seria descoberto. Ele estava exatamente atrás de mim e tinha deixado a porta aberta. O hall de entrada era muito estreito e o meu avô estava a fazer movimentos estranhos e agitados em redor do local, como se tivesse a sofrer uma convulsão, mas em pé. A única maneira de fechar a porta, de modo a que ninguém pudesse mais observar o que estava a acontecer no interior e para que o barulho alto dos seus gritos fosse abafado era dar-lhe um encontrão, de modo a que batesse na porta (que fecha de dentro para fora). Ocasionalmente, ele poderia ser morto ao tombar violentamente no chão.
Assim o fiz. A porta emitiu um estrondo também elevado, mas era algo menos perturbador ou estranho do que ouvir um idoso a gritar dentro de casa. Sentado no chão, olhou para mim, levantando a cabeça. Ele estava desprotegido, não tinha nada em seu redor que pudesse auxiliá-lo, nem que fosse durante um momento, contra um assassino auto-qualificado. Por outro lado, do meu, mais precisamente, estava um castiçal de velas, livros pesados (que matariam uma vítima frágil apenas com um golpe certeiro na cabeça), tesouras, esferográficas, enfim, tantos objetos que não me serviriam de nada para terminar bem sucedido numa luta contra adversários à altura, facilmente puderam ajudar-me numa luta contra um ser fraco e inútil. Agarrei então numa enciclopédia enorme, de capa rija e espremi-a na cabeça do idoso. Antes de começar a babar-se em sangue, disse as suas últimas palavras:
"Hás-de pagá-las!"
Senti calafrios quando ouvi esta frase, sabendo que ele estava perdido de medo, mas ainda com forças de conseguir ameaçar alguém, indiretamente, ainda com a condicionante de estar às portas da morte. Mas tudo tinha acabado. Provavelmente, fui alvo da sua senilidade. Bem o espero.
Agora, tinha duas casas nas minhas mãos. Poderia finalmente dormir numa casa livre de odores pútridos. Também tive a oportunidade de conferir alguns pertencentes arcaicos, na casa do idoso, que provavelmente render-me-iam bastante, nestes dias atuais
Ainda antes de adormecer, mas após o início de uma sessão de sono extensa, a nível local, lá para as onze da noite, regressei à casa do idoso, não só para transportar para lá os meus bens que poderiam, eventualmente, fazer-me falta (telemóvel, computador, carteira, etc.), mas também para descobrir o que estava escondido nos pequenos montes de terra que sarapintavam o jardim. Como eu moro num bairro calmo, com poucos condutores e passeantes noturnos, não havia problema em escavar porções de um terreno mesmo estando, tecnicamente, à vista de toda a população.
Com os candeeiros de rua a iluminarem a área, não houve dificuldades nenhumas para localizar os montes de terra, onde, provavelmente, houve o enterro de algum artigo cuja existência quisesse ter sido deixada em segredo. Porém, já era tarde demais para que alguém pudesse ocultar qualquer segredo cujas pistas foram deixadas relativamente expostas ao público, ainda para mais quando se restringe a uma pequena percentagem que demonstra uma grande curiosidade pelo mórbido...
Nunca me arrependi tanto por uma decisão tomada por mim. Nas primeiras escavações, que fiz com uma pá, nos montes de terra que estavam descobertos para o ar, não vi nada. Mas eu não desisti por aí, infelizmente. Após ter escavado todos os montes que via e não ter encontrado nada, lembrei-me que, debaixo do Fusca estacionado no terreno, ainda haviam alguns escavações cujo interior ainda era um mistério. Tive de empurrar o veículo por trás, de modo a que lhe pudesse conferir alguma locomoção, mesmo não estando a trabalhar. Estavam, realmente, mais alguns montes de terra naquela área e comecei a escavá-los até bater em alguma coisa que produziu um barulho seco. Não fazia ideia do que poderia ser, portanto, escavei em redor para conseguir desenterrar o objeto mais facilmente.
Enquanto escavava, encontrei outros objetos aparentemente semelhantes, que até provocaram um barulho idêntico. Pareciam frascos e encontrei alguns exatamente abaixo dos montes de terra, só que alguns ainda estavam todos por cima uns dos outros, revelando que os restantes montes que ainda não tinham escavado não estavam a esconder nada, possivelmente. Quando tirei dois dos frascos que estavam enterrados, caí para trás, totalmente enojado com o que tinha visto: dentro deles, estavam pedaços retalhados de genitais que pareciam ser de uma pessoa idosa... flácidos, rugosos e manchados de sangue, totalmente dissecados ao pormenor, como se tivessem sido cortados por um cirurgião. Era possível identificar um pénis cortado aos bocados e testículos, também totalmente desfeitos. Estes pedaços de carne e sangue encontravam-se em três dos cinco frascos enterrados. Os outros dois, estavam alagados de um líquido branco que parecia ser espesso, semelhante a esperma. Eu não sei a quem é que aquele esperma pertencia, porque eu só tive a certeza de uma coisa naquele momento:
Estava prestes a vomitar o que tinha comido antes. Eu não sabia o que é que deu ao meu avô para fazer uma coisa destas, tão aterrorizante e doentia, que até conseguiu repugnar um assassino com tanta facilidade. Ainda bem que não me deixei vencer por ele, porque de certeza que eu teria uma morte lenta e horrorosa...
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