Olhei para trás e vi um sujeito de farda negra com o facão Machete Kruki que eu utilizara para terminar com o reinado sujo e religioso das minhas vítimas. E pensei, por um instante, que a próxima entidade a ser escavacada pela arma era para ser eu. Igualmente, um alvo sujo, porém, descontente com o segundo adjetivo, sendo que seria melhor e mais correto o rótulo de "herege".
Eu estava desarmado, não tinha qualquer meio para me defender de um portador de um utensílio bem eficaz (reconhecida assim por experiência própria e alguma alheia). Como é que eu poderia escapar deste calabouço? Fechei os olhos. Durante um momento, julguei que este fosse o último...mas não.
Que era o meu pai, já eu sabia e só podia! Mas o que ele estava a tramar, disso eu não fazia ideia. Aliás, se ele quisesse matar-me, tê-lo-ia feito na hora, impetuosamente.
Após ter raciocinado desta maneira, abri os olhos. A silhueta continuava aprumada no mesmo sítio que antes, ainda com a faca na mão. Percebi que o meu pai não iria agir violentamente contra o seu próprio filho e ergui-me, cuidadosamente, com receio de escorregar na poça de sangue que já estava espalhada por todo o chão da casa-de-banho.
De acordo com o que me contou, o meu pai tinha recolhido a arma para confrontar o tal homem encapuçado que referi anteriormente, caso este ainda estivesse dentro de casa. Alegou que patrulhou toda a casa exceto o porão: exatamente onde eu deixei o cadáver da minha mãe. Neste momento, senti a espinha arrepiada. Eu sabia que ele ia ao porão verificar se havia lá algum invasor de propriedade e logo que visse o cadáver da esposa, notaria o facto de não lhe ter contado nada acerca dela e descobriria que eu era o verdadeiro bandido da história. E mesmo que isso não acontecesse, de certo que se interferiria nos meus planos, desarranjado completamente todo o esquema, contactando a polícia e ambulâncias que acabariam por abrir caminho para a intersecção da mídia. Eventualmente, iriam descobrir que tinha sido eu o assassino. Eu até poderia matar um ou dois agentes, mas nunca conseguiria lutar contra tantos agentes autoritários juntos.
Não me lembrei de nenhum instrumento que pudesse servir para contra-atacar o meu pai e precipitado como ele era, de certo que era impossível encontrar alguma coisa mortífera antes de ele descer todos os degraus do porão. Foi a primeira vez que realmente senti algum medo desde que coloquei este plano em prática. Então, tive uma ideia melhor.
Segui-o até à sala-de-estar, onde, mesmo no fundo, se encontrava a porta para o porão. Ao abri-la, era possível notar uma extensa escadaria que se direccionava até aos confins da escuridão ambiental daquele sítio. Com o interruptor ligado, continuava a ser difícil observar corretamente o interior, dado que o local estava visualmente dominado pelo pó circundante. Não era um compartimento muito usado, além disso, a existência de ratos mexericos, que emitiam chiados agudos dentro do mesmo tornava-o acessível apenas para Lúcifer. De certeza absoluta que estes pequenos animais ajudaram a proliferar a poeira pelo porão, após terem notado a presença do cadáver que atirei lá para dentro e começado, possivelmente, a movimentar-se em seu redor, em busca dos nacos de carne mais apetitosos.
Ainda antes de eu ter estabelecido um juízo acerca do compartimento e também de o meu pai entrar nele, ele empoleirou-se para o fundo, estando situado no primeiro degrau, a contar de cima, supostamente com a esperança de conseguir ver alguma coisa no meio daquela pequena tempestade de areia. Foi aí que lhe dei um chuto nas costas, com toda a minha força, fazendo-o tombar por cima de todos os degraus, raspando e injuriando várias partes do corpo, como os braços, cabeça e joelhos. Eu bem sei que, magoando muito os joelhos, torna-se praticamente impossível, para alguém, um levantamento imediato, permanecendo deitado ou sentado durante alguns segundos, os suficientes que eu necessitei para correr pelas escadas e começar uma luta corpo-a-corpo com o meu pai.
Possuindo ele uma faca perigosa e afiada e eu apenas os meus punhos e pés, sabia que me encontrava em desvantagem para com o meu adversário, mas nunca deixaria que alguém me vencesse. Logo o meu pai, criatura maldita, que sempre se achou superior a mim. Durante toda a minha vida e progresso escolar, subestimou as minhas capacidades, mesmo que eu fosse o melhor do colégio. Às vezes, passava certos dias de férias a estudar uma matéria específica, simplesmente para o impressionar... e mesmo assim, esse tempo perdido nunca surtia efeito nenhum. Elaborava jogos de palavras inúteis, conjugando termos completamente opostos, propositadamente para me baralhar a mente e com isso, tinha a vantagem de me chamar burro, idiota, indigente, entre outros adjetivos do género. E mesmo que eu raciocinasse corretamente, era alcunhado de igual maneira. Mas tudo isso tinha acabado.
O tempo que demorei a escrever este bocado foi o suficiente para, na vida real, poder dar cabo do meu adversário. Espanquei-o sem dó nem piedade, até ter ficado imobilizado, deformado, totalmente ensanguentado. Odiava o meu pai, com todas as minhas forças, tanto que as usei para libertar todo o meu desgosto pela sua pessoa, num formato físico e igualmente doloroso ao que me tinha feito, através dos seus insultos e diversas injúrias verbais.
Após a aniquilação do último indivíduo desta casa, só precisei de expandir a minha sede de matança pelo resto dos integrantes da família. Obviamente, eu não podia ser descoberto por algum deles, caso dessem pela ausência dos meus pais e irmã e além disso... eu estava viciado em matar. Descobri que só ficaria satisfeito caso terminasse com a vida de alguém com as minhas próprias mãos.
Esta será a minha primeira noite com cadáveres em casa. Terei bons sonhos?
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